Aplicação Inédita De Vacina 100% Desenvolvida No Brasil Em Ser Humano (Reprodução/TV UFMG)

UFMG e CTVacinas proporcionam momento histórico da ciência brasileira

A ciência brasileira superou uma barreira histórica hoje! O mestrando em biologia João Victor Rodrigues Pessoa Carvalho, de 24 anos, recebeu a primeira vacina totalmente desenvolvida em solo nacional: a SpiN-TEC MCTI UFMG, imunizante contra Covid-19.

O ato histórico foi realizado durante cerimônia na manhã desta sexta-feira (25/11), na Faculdade de Medicina, onde começaram, efetivamente, os testes clínicos, ou seja, em humanos. É a primeira vez que uma vacina 100% brasileira chega a esta etapa: a última antes de chegar aos braços da população.

O professor Ricardo Gazzinelli, coordenador do CTVacinas, usou um exemplo ocorrido ontem, quando o Brasil estreou na Copa do Mundo contra a Sérvia, para sintetizar o trabalho em conjunto que resultou no desenvolvimento da SpiN-TEC MCTI UFMG.

“Eu saí por volta das 14h ontem e vi uma estudante trabalhando no laboratório meio vazio e perguntei: ‘você não vai assistir ao jogo?’. Ela respondeu: ‘não estou fazendo algo muito mais importante: desenvolvendo uma vacina contra dengue”, afirmou o professor e pesquisador, emocionado, ao ver o comprometimento da equipe em uma outra frente de trabalho, de desenvolvimento da vacina contra a dengue.

Professor Ricardo Gazzinelli fala sobre desenvolvimento da vacina (Foca Lisboa/UFMG)

Professor Ricardo Gazzinelli fala sobre desenvolvimento da vacina (Foca Lisboa/UFMG)

‘Dever como cidadão’

“Só pelo tamanho da pesquisa, do marco de ser a primeira vacina 100% brasileira de uma universidade público, traz o tamanho desse evento: participar, se voluntariar é quase um dever como cidadão”, afirmou o estudante João Victor Rodrigues, o primeiro ser humano a receber uma vacina totalmente produzida pelo Brasil. A aplicação foi feita pelo médico e secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcelo Morales.

O desenvolvimento da SpiN-TEC MCTI UFMG começou ainda no primeiro semestre de 2020 pelo CTVacinas, em parceria com a Fiocruz. Para as etapas de ensaios pré-clínicos e clínicos de fase 1 e 2, o MCTI investiu R$ 16 milhões; todo o processo contou com apoio financeiro de outras fontes, como a Prefeitura de Belo Horizonte, o governo de Minas Gerais e parlamentares nos níveis estadual e federal.

A expectativa é de que o imunizante seja eficaz contra novas variantes do Sars-CoV-2, o novo coronavírus, uma vez que a estratégia de sua concepção é baseada numa proteína do vírus que não muda de uma variante ou subvariante para outra. A primeira etapa do processo iniciado hoje será concluída em sete dias, depois de verificadas possíveis reações adversas nos três voluntários.

SpiN-TEC, agora, é aplicada em voluntários na última etapa do desenvolvimento (CTVacinas/Divulgação)

SpiN-TEC, agora, é aplicada em voluntários na última etapa do desenvolvimento (CTVacinas/Divulgação)

Até março de 2023, os 72 pacientes da fase 1 terão recebido as doses. O objetivo é avaliar dose ideal e imunogenicidade. Na fase 2, 360 voluntários serão incluídos, para definição de esquema de doses e verificação de segurança expandida. A fase 3, que deverá ser encerrada até o primeiro semestre de 2024, vai avaliar a eficácia do imunizante. O cadastro para ser um voluntário está aberto (clique AQUI).

‘Projeto único’

O coordenador da equipe de produção da vacina, professor Ricardo Gazzinelli, ressaltou que a SpiN-TEC deixará um legado para o desenvolvimento de imunizantes contra outras doenças no Brasil, uma vez que as tecnologias criadas poderão ser adaptadas para o combate a outros agentes causadores de doenças.

Gazzinelli contou um pouco da história que culmina no início dos testes clínicos da vacina, mencionando, entre outros marcos, ações de um grupo de pesquisadores reunido há mais de dez anos e a criação do Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG, em 2016. Ele destacou o esforço conjunto e a importância, por exemplo, da Rede Vírus MCTI, que viabilizou projetos relacionados a tecnologias, insumos e equipamentos. “Pesquisadores seniores e jovens acreditaram que estávamos começando um projeto único, e tivemos apoio fundamental de governos, instituições públicas e farmacêuticas privadas”, salientou o professor da UFMG.

O marco também foi celebrado pelo comitê gestor do CTVacinas, formado por três professores da UFMG. “Hoje é um dia histórico em muitos significados: é a primeira vacina totalmente produzida no Brasil a chegar a teste clínico em ser humano, a gente ainda vai inaugurar a pedra fundamental do Centro Nacional de Vacinas. Está havendo uma mudança na forma como as pessoas entendem a ciência e a gente está muito feliz de fazer parte desse momento”, afirmou Flávio da Fonseca, doutor em Microbiologia.

“De fato, é um momento de muita alegria, momento histórico e a gente espera que outras vacinas possam rapidamente chegar a esse estágio de desenvolvimento”, projetou Santuza Teixeira, doutora em Bioquímica.

Cientistas e pesquisadores que participam do desenvolvimento da vacina, além de autoridades (CTVacinas/Divulgação)

Cientistas e pesquisadores que participam do desenvolvimento da vacina, além de autoridades (CTVacinas/Divulgação)

“É um marco para a ciência brasileira, mas é também resultado de um esforço coletivo de vários pesquisadores, de várias instituições. Apesar de estarmos hoje celebrando, nossas mentes estão voltadas para as próximas etapas para que possamos levar a cabo o desenvolvimento final dessa vacina, que certamente será muito importante no momento em que ela chegar no braço da nossa população porque tem a perspectiva de contornar o desenvolvimento e o aparecimento das variantes”, disse Ana Paula Fernandes, doutora em Parasitologia.

‘Vontade de convergência’

No evento que marcou o início dos ensaios clínicos da SpiN-TEC, o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Paulo Alvim, afirmou que o projeto da SpiN-TEC conta com um “time dos sonhos” na UFMG. “É hora de comemorar muito, mas também reconhecer o trabalho dos pesquisadores do CTVacinas”, ele disse, destacando a parceria institucional e acadêmica que torna possível o desenvolvimento da vacina. “Temos visto, sobretudo, vontade de convergência dos diversos atores. Estamos construindo uma solução brasileira que vai gerar riqueza, conhecimento e qualidade de vida para a população, no Brasil e também em outros países.”

Reitora da UFMG, professora Sandra Goulart (Foca Lisboa/UFMG)

Reitora da UFMG, professora Sandra Goulart (Foca Lisboa/UFMG)

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida recordou o trabalho conjunto, desde o início da pandemia, exaltou a atuação de “pesquisadores incansáveis” e o apoio de diversas instâncias de governo e do legislativo. Ela citou o jogador Richarlison, da seleção brasileira de futebol, que disse que não precisava entrar num laboratório para saber que sem a ciência ele não poderia fazer seu trabalho de atleta. “É preciso investir de forma contínua e sustentável em ciência, tecnologia e inovação para que o Brasil seja soberano e o país do futuro que queremos”, disse a reitora, acrescentando que a UFMG está à disposição da cidade, do estado e do país, não importa qual seja o governo. “Somos uma instituição de Estado, que tem como um de seus objetivos a saúde para todos.”

O evento de hoje teve a presença de outros envolvidos na história da SpiN-TEC, como o ex-titular do MCTI, o senador eleito Marcos Pontes, o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, o subsecretário de CT&I de Minas Gerais, Felipe Atiê, e o presidente da Fapemig, Paulo Sérgio Beirão. Os ensaios clínicos são coordenados pelo professores Helton Santiago, do Instituto de Ciências Biológicas, e Jorge Andrade Pinto, da Faculdade de Medicina.

Testes em modelo duplo-cego

O CTVacinas abriu o cadastro para candidatos a voluntários das fases 1 e 2 em 17 de novembro, logo após a aprovação dos testes pelos órgãos que avalizam a adequação ética de pesquisas. A Anvisa havia autorizado, em outubro, a realização dos testes clínicos.

Os testes pré-clínicos da SpiN-TEC MCTI UFMG, realizados em laboratório em animais, comprovaram a eficácia e a segurança do imunizante. Os resultados foram publicados na revista Nature, em agosto deste ano. Os testes clínicos seguirão o modelo duplo-cego: parte dos voluntários formará o grupo controle, que receberá a vacina AstraZeneca. Cada participante ficará em observação durante um ano. Após a conclusão das fases 1 e 2, o grupo que desenvolve o novo imunizante enviará relatórios para a Anvisa, solicitando autorização para a terceira e última etapa dos testes, em que serão reunidos de quatro a cinco mil voluntários.

O antígeno (substância que desencadeia a produção de anticorpos) da SpiN-TEC inclui duas proteínas do Sars-CoV-2, vírus causador da covid-19. Uma é a proteína Spike (S), e a outra é o nucleocapsídeo (N), o que explica o nome dado à vacina. As vacinas atualmente em uso geram respostas de anticorpos neutralizantes, e a SpiN-TEC  induz respostas do linfócitos-T, o que significa que ela atua sobre várias partes da molécula do vírus. Por isso, os pesquisadores acreditam que ela será capaz de combater variantes como a Ômicron e suas subvariantes. A alta estabilidade do imunizante, que pode ser mantido a 4ºC, vai facilitar a distribuições para lugares longínquos.

Financiamento

O desenvolvimento da vacina SpiN-TEC foi financiado pela RedeVírus do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que, em 2020, apoiou com recursos financeiros dez projetos nacionais de desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, com 15 diferentes estratégias. Os testes clínicos receberam recursos da Prefeitura de Belo Horizonte, que repassou R$ 30 milhões. Parlamentares da bancada mineira no Congresso Nacional e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aportaram cerca de R$ 20 milhões para a fase 3 dos testes clínicos. Além disso, a ALMG repassou outros R$ 30 milhões oriundos do acordo firmado entre o Estado de Minas Gerais e a Vale (Lei 23.830, de 28/07/2021), destinado à reparação de danos socioeconômicos e ambientais decorrentes do rompimento da Barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019.

O projeto de desenvolvimento da vacina SpiN-Tec MCTI UFMG também contou com recursos das fundações de amparo à pesquisa dos estados de Minas Gerais e de São Paulo (Fapemig e Fapesp). Colaboraram, ainda, a Fundação Ezequiel Dias (Funed), o Laboratório Nacional de Biociências (LNBIO), o Centro de Inovação e Ensaios Pré-clínicos (Cienp) e o Laboratório Cristália.

Centro Nacional de Vacinas

Por meio de parceria firmada pela UFMG com o MCTI, o CTVacinas será transformado em um centro nacional de vacinas, com recursos que totalizam R$ 80 milhões. A ideia é que o local seja um hub para o desenvolvimento de projetos de inovação nas áreas de imunizantes – incluindo novas plataformas vacinais, de kits diagnósticos e de fármacos –, com foco na transferência tecnológica para empresas e instituições que atuem no mercado de saúde. Pesquisadores que trabalham com o desenvolvimento de imunizantes em todo o território nacional poderão utilizar a estrutura. A previsão é de que o CNVacinas, que está sendo construído no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), esteja em funcionamento dentro de dois anos.

* Com assessorias de imprensa do MCTI e da UFMG

Procurar