A ciência mineira, mais uma vez, alcança um marco histórico. Pela primeira vez, uma vacina desenvolvida 100% no Brasil finaliza com sucesso a fase 2 dos testes clínicos – ou seja, está apenas a um passo para concluir todo o ciclo da pesquisa até a aprovação dos testes em humanos.
Trata-se da SpiN-TEC, que carrega diferenciais importantes – como maior imunidade a variantes da Covid-19 e custo inferior para a saúde pública – e chega ao fim, nesta quinta-feira (8), da segunda de três fases dos testes em humanos.

“A SpiN-TEC está nos ensinando, aqui no Brasil, a fazer vacinas nacionais. Enfrentamos vários gargalos nessa jornada chamada, no nosso país, de vale da morte: justamente entre a pesquisa básica e a chegada à sociedade. E, com isso, estamos alcançando soberania na inovação de vacinas”, define o coordenador do CTVacinas, Ricardo Gazzinelli.
Soberania
Maria Adelaide, 61 anos, foi a voluntária responsável, nesta quinta-feira (8), por encerrar as visitas de rotina da fase 2. O contato derradeiro dela com o centro foi mais um dos quase 25 feitos no último ano: nove presenciais e 15 telefônicos.
A comerciante e outros 319 voluntários foram monitorados rigorosamente durante 12 meses, com coletas de sangue e consultas médicas. Tudo para garantir a segurança dessas pessoas essenciais para o desenvolvimento de uma vacina.

Nessa fase, metade dos voluntários recebeu uma dose da Spin-TEC e outra metade, da Pfizer bivalente. E só ficaram sabendo no último dia de acompanhamento – para a alegria de Adelaide, ela recebeu mesmo a SpiN-TEC.
“Muito orgulhosa de participar desse marco histórico. O Brasil precisa fabricar as próprias vacinas, não depender de nenhum outro país para proteger a própria população”, afirmou, durante a última visita, e fez questão de reforçar:
“Não tive nenhuma intercorrência, dor, nada… ao tomar a SpiN-TEC”.
Segura, mais barata e acessível

Os resultados da fase 2 reforçam essa sensação de Adeilade: a SpiN-TEC é segura e imunogênica.
E mais do que isso: apresenta resultados melhores contra as variantes, o que faz mais sentido para uma vacina de reforço contra Covid-19, e mais adequada para as características do Brasil.
“O custo de fabricação é mais barato, justamente por ser uma tecnologia em que temos expertise e infraestrutura para produção em farmacêuticas brasileiras, tanto as estatais quanto do setor privado. Além disso, os dados mostram que a vacina é estável por até 2 anos em geladeira – ou seja, não precisa de freezer ou super freezer”, reforça o diretor de ensaios clínicos do CTVacinas, coordenador dos testes clínicos da SpiN-TEC, Helton Santiago.
As outras vacinas contra Covid-19 precisam ser conservadas em temperaturas mais baixas do que a geladeira consegue atingir. Além disso, os resultados mostram que a SpiN-TEC mantém as propriedades entre 10 e 15 dias em ambiente natural, o que é essencial para atender todas as especificidades brasileiras.
Sucesso

A primeira vez que uma vacina 100% brasileira finaliza a fase 2 dos testes clínicos também é marcada por um sucesso no atual estágio.
“Tanto na fase 1, quando tivemos 36 voluntários, quanto agora, tivemos 100% de sucesso nos testes clínicos. Ou seja, sem maiores problemas técnicos, científicos e éticos. É um grande sucesso, é um estudo muito grande e complexo”, reforça Santiago.

O sucesso da SpiN-TEC até agora é totalmente viabilizado pelos voluntários.
“A gente construiu uma colaboração bonita com a população de Belo Horizonte e região. Os mineiros vibram com cada passo que a SpiN-TEC dá porque são, de fato, responsáveis por esse sucesso”, enaltece o coordenador dos testes clínicos, também professor da UFMG.
Quebra de paradigma

A fase 2 mostrou que a SpiN-TEC representa uma quebra de paradigma em relação às vacinas contra Covid-19. Enquanto todas as licenciadas no Brasil funcionam através dos anticorpos neutralizantes, o foco da vacina brasileira é a indução da imunidade celular.
“Os testes têm mostrado que as variantes da Covid-19 escapam dos anticorpos neutralizantes. Ou seja, a SpiN-TEC tem se mostrado ideal para ser uma vacina de reforço anual porque a imunidade é mediada principalmente pelos linfócitos T”, diz Ricardo Gazzinelli.
“A imunidade celular não impede a infecção como os anticorpos neutralizantes, mas impede que a infecção seja grave. Muitas vezes, a pessoa nem sabe que foi infectada, é assintomática. As vacinas de reforço contra a gripe são assim”, detalha.
Em todo o planeta, apenas uma vacina segue a linha da SpiN-TEC, já licenciada na Rússia. No entanto, o país russo não integra um pool de agências internacionais, como a FDA (Food and Drug Administration) e a EMA (European Medicines Agency).
Por isso, a Anvisa realiza uma série de reuniões com intenso rigor técnico para liberar o início da fase 3, a última dos testes em humanos.
Quando chega aos braços da população?

O grande objetivo da SpiN-TEC é entrar no calendário nacional de vacinação, ou seja, integrar o PNI (Programa Nacional de Imunizações).
Para isso, falta apenas a realização da fase 3, na qual cerca de 5,3 mil voluntários de todo o país devem participar. Pela complexidade logística, a expectativa é que esse último estágio comece em 2026.
Em cada fase, todos os voluntários precisam ser monitorados durante um ano e, após nova aprovação da Anvisa, a vacina está totalmente liberada, precisando apenas passar por questões burocráticas.
Se tudo transcorrer bem, as brasileiras e os brasileiros podem se proteger com a própria vacina, 100% brasileira, a partir de 2028.