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Ser humano recebe, pela primeira vez na história, vacina 100% desenvolvida no Brasil

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“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. Com a conhecida frase do poeta francês Jean Cocteau, a professora Ana Paula Fernandes resume o sentimento da equipe do CTVacinas com o marco histórico da ciência brasileira. Pela primeira vez, um ser humano receberá uma vacina totalmente desenvolvida no Brasil.

O ato vai ser realizado nesta sexta-feira (25/11), quando os primeiros voluntários vão receber a SpiN-TEC MCTI UFMG, vacina contra Covid-19 desenvolvida por pesquisadores brasileiros.

“Não caiu a ficha completamente. Mas é fruto de um esforço muito grande, individual e coletivo, que abre portas para o Brasil. Uma nova geração de pesquisadores, cientistas e técnicos está sendo formada para replicar o que estamos fazendo e ampliar recursos humanos capacitados no país”, afirma Ana Paula Fernandes, uma das pesquisadoras à frente do desenvolvimento da SpiN-TEC MCTI UFMG.

“Tudo aquilo que você se preparou, durante a vida inteira na sua formação, desde a graduação ou mesmo antes, está se concretizando. E está se multiplicando! É um prazer enorme para quem é professor e pesquisador como nós”, vibra Fernandes, integrante do comitê gestor do CTVacinas.

A primeira vacina 100% produzida no Brasil enfrenta o estágio conhecido como “vale da morte”, quando boa parte dos projetos de pesquisa fracassam, e chega à última grande etapa: a dos testes clínicos, ou seja, em humanos. Em menos de uma semana, mais de 1.200 pessoas se cadastraram para contribuir com a pesquisa brasileira.

E, na sexta-feira, uma cerimônia marca as primeiras aplicações em seres humanos, com participação dos responsáveis pelo desenvolvimento da vacina, além da reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goulart Almeida; do ministro de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Paulo Cesar Rezende de Carvalho Alvim; e outros representantes dos governos federal, estadual e municipal.

Talento, apoio e orgulho

Os primeiros estudos da SpiN-TEC MCTI UFMG começaram no início de 2020. “Começamos com muitas incertezas. No Brasil, havia competência para pesquisa básica no desenvolvimento de vacinas, mas nunca tinha chegado ao estágio de ensaio clínico. Todas as vacinas usadas no programa nacional de vacinação têm alguma tecnologia importada”, relembra Ana Paula Fernandes.

“A outra grande incerteza e pressão que tínhamos era o tempo. Sabíamos que se tratava de uma doença grave e, quando a gente iniciou, não existia qualquer vacina contra Covid-19. Era absolutamente inédito, novo. Tudo muito incerto”, complementa a professora da UFMG.

“Mas a própria pressão, com vidas sendo perdidas, se tornou um grande impulso para a equipe. As instituições que nos apoiaram desde o início enxergaram que tínhamos esse compromisso”, ressalta.

E esse ponto é considerado fundamental pelos desenvolvedores da SpiN-TEC MCTI UFMG: os arranjos institucionais construídos que viabilizaram o sucesso das pesquisas.

“Tivemos muitas dificuldades, mas sempre recebemos um financiamento muito importante e contínuo. Pela primeira vez, nós, pesquisadores, conseguimos estabelecer uma equipe permanentemente envolvida com o projeto, que atendesse todas as necessidades de experiência, competência e volume de trabalho. Foi o grande diferencial”, avalia Ana Paula Fernandes.

Marco na ciência brasileira é fruto da dedicação e do trabalho de dezenas de talentos (Virgínia Muniz/CTVacinas)
Marco na ciência brasileira é fruto da dedicação e do trabalho de dezenas de talentos (Virgínia Muniz/CTVacinas)

Com o apoio necessário, os coordenadores conseguiram manter a reforçar a equipe para enfrentar os desafios que tinham barrado todas as tentativas de desenvolvimento de vacina totalmente nacional até hoje. Ao todo, dezenas de mentes trabalharam e trabalham na SpiN-TEC MCTI UFMG.

Um desses talentos, por exemplo, é Graziella Rivelli, líder das equipes responsáveis por assuntos regulatórios, desenvolvimento farmacotécnico e controle de qualidade de vacinas recombinantes. Dentre os trabalhos fundamentais, está o de aprovação em agências e órgãos regulatórios, como, por exemplo, a Anvisa.

“Passamos por momentos muito difíceis para chegar onde estamos. Mas agora vai ser mais fácil para as próximas vacinas porque a gente já encontrou o caminho. É um trabalho de muito amor, dedicação, estudo, desafios e aprendizados”, resume a doutora em Ciências Farmacêuticas.

Horizontes abertos

E agora? Surge aquela sensação de alívio? “Nada disso. Enquanto estamos concretizando esta etapa histórica, já temos de pensar lá na frente. Esta semana, por exemplo, nossa equipe estava na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) para apresentar o projeto e captar recursos para a Fase 3”, afirma a professora Ana Paula Fernandes.

A Fase 3 é a última etapa dos testes clínicos. A equipe de cientistas e pesquisadores realiza, neste momento, as fases 1 e 2, nas quais a vacina será testada em 72 e 360 voluntários, respectivamente. Se tudo transcorrer conforme o previsto, a SpiN-TEC MCTI UFMG será, então, aprovada para a Fase 3, cujo teste é feito em cerca de 4 mil pessoas.

Para a equipe que já superou tantos paradigmas, é apenas um detalhe. “A SpiN-TEC MCTI UFMG abre uma perspectiva muito significativa no Brasil do ponto de vista da competência. E deixa claro sobre a pesquisa brasileira: é possível. Não é intransponível, é possível”, afirma Ana Paula.

CTVacinas se consolida como referência nacional em desenvolvimento de vacina e diagnóstico (Virgínia Muniz/CTVacinas)
CTVacinas se consolida como referência nacional em desenvolvimento de vacina e diagnóstico (Virgínia Muniz/CTVacinas)

Além de ser um reforço essencial na luta contra a Covid-19, já que os estudos indicam que precisaremos ter duas doses anuais para manter a doença controlada, a primeira vacina 100% brasileira abre caminho para tantas outras.

“Algumas doenças são causadas por micro-organismos muito específicos da região e o desenvolvimento de vacinas pode não ser o foco das indústrias farmacêuticas internacionais. Além disso, desenvolver tecnologias que possam ser exportadas tem grande importância econômica e social”, projeta a pesquisadora.

“Quem sabe a gente não começa a observar o sentido inverso também, com a exportação de tecnologia? É muito significativo”, conclui.

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